Entrevista: Claudia Aoun Tannuri fala sobre prisão do devedor de alimentos

Claudia Aoun Tannuri é defensora pública na 7ª Defensoria Pública da Família do do Estado de São Paulo. Em sua atuação, tem obtido ações de execução de alimentos, pelas quais o juiz determina a instauração de inquérito policial para que o devedor de alimentos seja processado criminalmente pela prática de abandono material (previsto no artigo 244 do Código Penal), com a decretação de sua prisão civil. Em entrevista ao IBDFAM, a defensora defende a prisão do devedor como medida eficaz para a garantia dos direitos dos alimentados, aponta outras possibilidades para a execução de alimentos e relata sua experiência na Defensoria Pública de São Paulo. Confira a entrevista:
 
Como a senhora avalia a prisão do devedor para execução de dívidas alimentícias?
 
A prisão civil do devedor de alimentos é uma medida que pode ser muito eficaz para garantir a satisfação do alimentado. Por ter escopo coercitivo, ou seja, de forçar o devedor a pagar os alimentos em atraso, ela deve ser aplicada pelo magistrado àquele que não paga porque não quer. Isso significa que a prisão civil destina-se ao devedor malicioso, e não ao alimentante que não cumpre sua obrigação em virtude de motivo involuntário e escusável (por exemplo, uma doença grave que incapacite para o trabalho).
Ocorre que, na prática, observamos que muitos devedores de alimentos são presos, e mesmo assim não efetuam o pagamento da dívida. Nesses casos, a prisão civil acaba por ter um efeito contrário, na medida em que agravará a situação do devedor e também do credor.
 
Existem outras formas eficazes de execução, além da prisão do devedor?
 
Além da prisão, é possível a penhora de bens imóveis e móveis do devedor de alimentos. A penhora de contas bancárias (conhecida como penhora “on line”, feita por meio eletrônico) e a penhora de contas vinculadas do FGTS são medidas céleres e que muitas vezes revelam-se eficazes para a satisfação dos credores de alimentos.
 
Uma outra forma de execução, viável somente quando o devedor exerce atividade com vínculo empregatício, é o desconto em folha de pagamento.  Nesse caso, tanto os alimentos mensais, como eventual débito alimentar, serão descontados diretamente dos rendimentos do alimentante. No caso dos alimentos em atraso, tem-se propriamente a penhora de rendimentos/salários, permitida para as hipóteses de execução de dívida de alimentos, conforme preceitua o artigo 649, parágrafo 2o, do Código de Processo Civil.
 
Recentemente, estamos adotando ainda uma outra medida que visa a garantir a satisfação dos credores de alimentos. Trata-se da possibilidade de inscrição do nome do devedor de alimentos junto aos cadastros de proteção ao crédito, notadamente o SPC e o SERASA. A medida não tem previsão expressa em lei, mas pode sim ser determinada pelo magistrado, adotando-se uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, de acordo com os princípios da dignidade humana e melhor interesse da criança e do adolescente e com os artigos 461 do Código de Processo Civil e 19 da Lei de Alimentos.
 
Ademais, é importante lembrar que a falta de pagamento de pensão alimentícia, sem justa causa, configura crime de abandono material, previsto no artigo 244 do Código Penal.
 
 
Qual seria a forma mais eficaz de execução?
 
Em geral, podemos afirmar que a forma mais eficaz de execução dependerá de cada caso concreto. A prisão civil, por exemplo, funciona muito bem quando o devedor deixa de cumprir sua obrigação de forma maliciosa, mesmo reunindo condições financeiras para tanto. Já quando o alimentante exerce atividade com vínculo empregatício, o desconto em folha de pagamento revela-se mais adequado. Assim, será necessário avaliar cada situação para que se verifique a forma de execução mais eficaz.
 
Qual é o método de execução mais utilizado na Defensoria  Pública de São Paulo?
 
A Defensoria Pública é a instituição com a atribuição constitucional de prestar assistência jurídica integral e gratuita às pessoas necessitadas. Como defensora pública atuante na área de família e sucessões, verifico que é mais comum o ingresso com execução de alimentos sob o rito da prisão, uma vez que na maior parte dos casos em que atuamos, o devedor de alimentos não é proprietário de bens passíveis de penhora e exerce atividade laborativa informal, sem registro em carteira. 
 
Quais são os trâmites judiciais até a prisão do devedor?
 
Em um primeiro momento, é necessário ingressar com a ação de alimentos. Fixados os alimentos provisórios ou definitivos por decisão judicial, é possível que o credor de alimentos ingresse com a ação de execução de alimentos, caso o devedor não efetue o pagamento de forma adequada. As três últimas prestações anteriores ao ajuizamento, e mais aquelas que se vencerem no decorrer da demanda, poderão ser cobradas sob o rito da prisão civil. Nesse caso, o alimentante receberá a citação para que, em três dias, efetue o pagamento da dívida ou apresente justificativa para o inadimplemento. É importante ressaltar que somente motivos graves, excepcionais, involuntários e escusáveis poderão justificar o inadimplemento (uma doença grave que incapacite o devedor para o trabalho, por exemplo). Dificuldades financeiras ou desemprego formal não costumam ser causas que os juízes aceitam como justificativa para a falta de pagamento. Não efetuado o pagamento, ou rejeitada a justificativa apresentada, será decretada a prisão civil do devedor, a pedido do credor de alimentos.
 
É mais comum que os juízes decretem a prisão civil pelo prazo de trinta dias, mas é possível que o prazo seja maior (até noventa dias). Essa prisão não tem caráter punitivo, mas sim unicamente coercitivo, e, por esse motivo, o devedor será colocado em liberdade assim que efetuar o pagamento da dívida.
 
Um outro ponto deve ser observado: o devedor não poderá ser preso pela mesma dívida mais de uma vez. Assim, vencido o prazo da prisão sem que haja pagamento, o alimentante será colocado em liberdade, e a dívida que ocasionou a prisão não mais poderá ser cobrada sob o rito da coerção pessoal.
 
Partindo de sua experiência como defensora pública na vara de família e sucessões de São Paulo, quais seriam os principais entraves para a garantia dos direitos dos alimentados?
 
Acredito que o problema da falta de pagamento da pensão alimentícia é motivado por diversos fatores. Entre eles, estão o descaso com a prole, a irresponsabilidade paterna/materna, as dificuldades financeiras graves, e a má-fé dos devedores, que se evadem de suas obrigações e do Poder Judiciário. Acredito que seja de fundamental importância a conscientização das pessoas no tocante à paternidade/maternidade responsáveis. Quando nasce uma criança, seu pai e sua mãe devem ter a plena consciência de sua responsabilidade quanto à garantia do desenvolvimento físico, psíquico e moral se seu filho, de forma integral e sadia.
 
Quantos pedidos de prisão partem da Defensoria Pública de São Paulo a cada ano?
 
A Defensoria Pública atua em um volume muito grande de ações de execução de alimentos, e, consequentemente, formula muitos pedidos de prisão nesses processos. Atuo nas doze Varas da Família e Sucessões do Foro Central da Capital, juntamente com mais sete colegas, e, somente eu, cuido em média de quinhentas ações de execução de alimentos, na maioria sob o rito da prisão civil.
 
Como o abandono material pode afetar a vida da criança?
 
O abandono material poderá causar sérios prejuízos ao desenvolvimento da criança, em todos os seus aspectos. Isso porque essa criança será privada dos recursos necessários à sua subsistência, no tocante à alimentação, saúde, educação, lazer etc.
Toda criança deve ter todas as suas necessidades físicas, psíquicas e morais atendidas de forma integral por seus pais, para que possa crescer de forma saudável e feliz.


Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

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